25/10/2022

Os coveiros mencheviques e a morte do tucanato

Eu não costumo levar em consideração o que dizem os almofadinhas do mainstream jornalístico. É tanta bobagem misturada com burrice que dá nos nervos. Porém, nem tudo é desprezível. Até mesmo as maiores groselhas professadas pelos jornalistas da grande mídia servem como objeto de estudo para entendermos a realidade – basta inverter totalmente e a mágica acontece. 

O sr. Bernardo Mello Franco nos oferece a oitava maravilha do jornalismo brasileiro ao tratar o apoio de Rodrigo Garcia ao presidente Jair Bolsonaro como causa mortis do PSDB. Para o colunista do portal O Globo, a tal vassalagem do ninho tucano – ou de integrantes específicos – ao bolsonarismo ajudou a enterrar o partido. Da social-democracia ao reacionarismo, eis o caminho para o fim. 

Longe de querer convencê-lo do contrário, até porque seria perda de tempo, mas tal diagnóstico é absolutamente irreal. O PSDB não morreu por ter sentado no colo do presidente Bolsonaro ou pela suposta guinada direitista. Ao contrário: os tucanos viraram pó ao não abraçarem uma plataforma conservadora que sempre careceu de porta-vozes adequados. O eleitorado tratado como antipetista ansiava por lideranças direitistas que defendessem ideias e propostas solenemente ignoradas no ambiente político desde a Nova República. Jair Bolsonaro furou a bolha e – vejam só – foi eleito presidente em 2018. 

Enquanto Bolsonaro virava um fenômeno político por abraçar uma plataforma política direitista, o PSDB continuava com um discurso de centro esquerda. Não foi Aécio Neves que soltou a famosa pérola ‘’não adianta me empurrar para a direita que eu não vou’’? Fernando Henrique Cardoso disse ‘’nunca ter sido de direita’’. Como diabos esse partido morreu por suposto direitismo quando as próprias lideranças rejeitaram tal rótulo e sentiam orgulho de não pertencer a tal espectro? Citei um ex-presidente e um quase presidente tucanos, mas a lista não para por aí. 

A realidade é a seguinte: a direita política foi destroçada após mais de vinte anos do regime militar por ter terceirizado o conflito ideológico com a esquerda aos homens de farda – deu no que deu. Com o estabelecimento da Nova República, três forças passariam a dominar a vida pública brasileira: a esquerda socialista com ares progressistas (PT), a esquerda social-democrata moderada (PSDB) e o estamento burocrático sempre a desfrutar das benesses do poder (PMDB). Elas se organizaram e foram responsáveis pelo estabelecimento da Constituição de 1988, que consagrou o Estado paternalista e deu as condições ideais para a institucionalização da hegemonia esquerdista. 

Marginalizada e constantemente difamada em um ambiente hostil, a direita sobreviveu porcamente durante esse período. Alguns dos seus representantes encontraram morada no antigo PFL, sobrando o triste papel de linha auxiliar da social-democracia tucana. As querelas eleitorais não passavam de uma disputa para saber quem era mais esquerdista, com o termo ‘’direita’’ sendo evocado como xingamento ao adversário. Tal era a realidade brasileira dos últimos anos – e não precisa explicar o porquê da saudade do beatiful people desses tempos. 

Pois bem, o papel do PSDB era um só: representar uma direita castrada, vazia de conteúdo conservador, mas assumindo um papel importante na hegemonia gramsciana. Se os tucanos proclamassem em voz alta que eram tão ou mais esquerdistas que os adversários petistas, a farsa seria descoberta. Então o partido daria ares de disputa democrática normal, além de impedir o nascimento de uma direita legítima. 

A polarização PT vs PSDB não passava de um Teatro das Tesouras tupiniquim. Tal expressão faz referência ao estado de coisas na Revolução Russa, quando a esquerda se dividiu em bolcheviques e mencheviques. O primeiro grupo era o mais radical e virulento, enquanto o segundo tinha ares de moderação e legalidade democrática. Os mencheviques eram frequentemente acusados de direitismo pela ala bolchevique da revolução, mas eram tão ou mais esquerdistas que eles. 

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